sábado, 26 de outubro de 2013

A virada

Nem minha mãe sabe, mas na minha primeira semana em Dublin eu emagreci 3kg. Isso seria maravilhoso pra quem sempre brigou com a balança, não fossem as circunstâncias...

No mês de agosto eu produzi uma série de reportagens na RBS TV chamada “Os sotaques de Chapecó”. Foi uma forma de homenagear o município pelos seus 96 anos e mostrar como a nossa cidade é caracterizada pela diversidade de povos, de línguas, de jeitos diferentes de falar o português. Um dos personagens da série foi o professor australiano Damien Segal. Ele contou que quando chegou a Chapecó não sabia uma palavra sequer em português. Por diversas vezes passou vontade de tomar um refrigerante ou comer alguma coisa porque não sabia pedir. Nós rimos com a história do Damien e nos sensibilizamos também. Mas entre ouvir uma história e vivê-la na prática convenhamos que existe um abismo.
Curtir algo completamente novo e diferente é um sonho. Você chega em um país e quer descobrir as coisas, saber como elas funcionam, o que tem de diferente do Brasil, o que é igual, experimentar comidas estranhas, bebidas fortes, frutas que a gente não tem, ver flores iguais mas que aqui parecem exóticas, entender porque o almoço é sanduiche, porque o interruptor fica do lado de fora do banheiro, porque o fogão não tem chamas, porque os policiais não andam armados, porque eles não gostam de tomar banho (oops, acho que não vou falar sobre isso), etc, etc, etc.

Só tem um detalhe: pra fazer tudo isso aí em cima você precisa, primeiramente, atender às necessidades básicas de qualquer ser humano. Algo do tipo, comer! Estar bem alimentado pra garantir a jornada, certo?! Beleza. Então você pega os euros (suados) que você trouxe pra Europa e sai em busca de algo. Olha uma infinidade de sanduiches, bebidas, refrigerantes, doces, muitos tipos de biscoitos, bolachas, baguetes. Muito bem! Mas...pera aí: como eu vou explicar pro moço o que eu quero que ele coloque no meu sanduiche? Lettuce, tomato, mayonnaise, olives, chicken or turkey? O atendente daquela sanduicheria em especial falava muito rápido enquanto “metia” com habilidade os ingredientes na baguete. Constatação: a rapidez dele era inversamente proporcional à minha velocidade de comunicação.
É nessas horas que algo irracional acontece com a gente. Um misto de vergonha por não saber falar em inglês, com “me tira daqui”, juntando-se ao fato de uma fila enorme estar atrás de você, todos com pressa porque tem meia hora pro almoço e um ser (no caso, você) simplesmente incomunicável empacando a fila. Sabe quando trava tudo e você reinicia? Parece que estou vendo minha professora de ciências, lá da quarta série primária, explicando a diferença entre razão e emoção. A Dona Leodete dizia que “os homens das cavernas agiam por instinto”. Aha. Saquei. Agi por instinto e me mandei dali.
Por repetidas situações como esta que eu perdi 3 kg na minha primeira semana em Dublin. Mas, é claro que eu sou uma garota esperta e logo comecei a desenvolver técnicas como rever a lição das comidas e treinar frases prontas. E é aí que eu quero chegar. Ouvi vários depoimentos de colegas da escola dizendo que o botão “ON” do inglês é ativado no final do primeiro mês. E foi exatamente isso que aconteceu comigo! Essa é a grande virada. Eu explico (talvez a professora Leodete possa me ajudar): você, incrivelmente, perde a vergonha de falar. Você fala. Certo ou errado, não interessa. Você fala. E as pessoas entendem! Caraca!
Foi nesse primeiro mês também que eu descobri a cerveja irlandesa, descobri que o chocolate aqui é muito barato e que as frutas não tem gosto de nada (entendeu, né?), que aqui tem restaurante brasileiro que serve feijoada e que a batata frita deles é ótima. Agora não perco oportunidades. Quando eu não sei a palavra eu descrevo a situação. Outro dia fui pedir um guardanapo e não lembrava como dizia a palavra em inglês. Aí falei pro cara que eu precisava de um papel branco que eu pudesse pegar o sanduíche na mão pra comer. Batata! Ele me deu o que eu precisava. É como renascer.
Agora, tem uma notícia ruim também: lembra dos 3Kg lá da primeira semana? Pois é... agora só indo pra China mesmo!


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